sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Terror no blog # 10-- Tres assobios



Diego estava sentado com as pernas cruzadas sobre as almofadas, sem conseguir mover um músculo pra desligar a TV. O filme terminara e ele ainda estava ali, com o mesmo medo que sentia após todos os filmes de terror qu
e assistia. Queria alcançar o controle remoto sobre a mesinha, mas os membros não respondiam. O jornal da madrugada passava em imagens borradas. Olhava para os lados, e sentia que era observado.

O barulho do portão o encorajou a correr até a cozinha, apertando o interruptor para que os pais pudessem entrar. A luz invadiu pelo vitrô e Diego, sorrindo, girou a maçaneta. A brisa fria da noite invadiu a casa. A primeira sensação foi um nó na garganta e um estranho frio da barriga no momento em que percebeu o equivoco. O portão devia ter sido balançado pelo vento, ou qualquer outra coisa. Não por seus pais. Instintivamente, voltou e fechou a porta. Ainda impressionado com o filme, imaginava que o inominável apareceria a qualquer instante. Sentindo as pernas tremerem, correu até seu quarto e trancou-se, acendendo a luz e pulando sobre a cama. Abraçado no travesseiro, lembrou-se das vezes em que acontecera exatamente o mesmo. Era terminar uma história de terror e lá estava ele, morrendo de medo até adormecer. Decidido a não passar a noite temendo algo que não aconteceria, largou o travesseiro e foi até o guarda-roupa.

Lá estava sua inestimável coleção de livros. Já lera cada um deles, alguns até mais de duas vezes, e sabia que havia um ainda virgem. Por sorte a sinopse dizia tratar-se de elfos e dragões. O que Diego menos queria naquele momento era outra história de terror. A sensação desconfortável era tanta que ele demorou a notar que o livro estava embaixo de seu nariz. Pegou-o e voltou à cama. Gostava de ler enquanto mastigava qualquer coisa, mas decidiu não estar com tanta fome assim.

Mal virou a página do índice, escutou algo. Um som abafado do lado de fora. Olhou em direção à janela, centímetros acima de sua cabeça, e aguardou, sem respirar. Silêncio. Olhou de um canto a outro, e concluindo que não era nada, ouviu novamente. Mais próximo. Um som rápido. Mais uma vez, e sentiu a janela movendo-se. Como se o vento a forçasse. A pele arrepiava-se de cima a baixo. Não precisava saber, mas sentia que era observado. Naquele instante arrependeu-se amargamente de não ter ficado no churrasco.

Disparou pelo corredor escuro, ouvindo a janela mover-se. Alcançando o quarto principal, acendeu a luz e bateu a porta. Correu até o telefone e o puxou do gancho. Teve que discar duas vezes, pois a tremedeira o fez discar errado. Apertou forte o telefone e esperou, ofegante.

- Alô?

Diego sentiu um misto de alívio e desapontamento ao ouvir a voz infantil do outro lado. Uma garotinha.

- Chama meu pai! – Não conseguia acalmar-se. Quando os pais o ouvissem, viriam correndo.

- Quem é?

Eles deviam estar tão bêbados que nem perceberam que o celular havia sido pego por uma criança.

- Chama meu pai! Tem alguma coisa aqui!

Diego pode ouvir mais crianças, rindo em coro de algo que a menina disse. Em seguida, ela voltou.

- Você não queria ver o Saci? – A voz era inocentemente cruel. – Então veja!

Diego abafou um grito quando a ligação caiu. Discou novamente, mas deu sinal de ocupado. Aquela peste!
Sobre o criado-mudo encontrou a agenda da mãe. Sabia que o número da casa de Dora estava ali. Tremia tanto que virar as páginas era impossível. Sentiu o dedo cortando em uma folha, uma gota de sangue pingando em um contato qualquer. Os músculos travaram no instante em que o ouviu novamente, dentro de casa. Sem saber o porquê, apagou a luz e deslizou pra debaixo da cama, a barriga de encontro ao piso frio. Conseguia ver apenas a fresta da porta, por onde a luz de seu quarto invadia. Sentia as têmporas latejando. Tentava escutar, mas o silêncio era total. O som se repetiu por duas vezes. Ao ver algo passando rápido não esperou. Saiu debaixo da cama, abriu a janela sem preocupar-se em ser silencioso, e pulou.

As pedrinhas sob os pés descalços machucavam, mas o medo era maior. Fechando a janela, ouviu um pio melancólico. A impressão era de que vinha de várias partes, impossibilitando a localização. Decidido a ignorar qualquer distração seguiu até o outro lado da casa, chegando a uma passagem cercada por árvores e o vasto jardim que a mãe cultivava. Brincara diversas vezes entre aqueles arbustos. Agora não via nada além de perigo. O vento balançava lentamente as folhas, como se houvesse algo sob os arbustos. Nunca precisou de tanta força para mover as pernas. Pesavam uma tonelada cada. Guiava-se apenas pela luz que emanava do poste elétrico, do outro lado do muro. Reuniu forças e apertou o passo, conseguindo caminhar mais rápido. Pouco tempo e estava correndo, vislumbrando olhos observando-o em meio às sombras. Algo o perseguia.

Alcançando o portão, descobriu que estava trancado. O pai levara a chave, claro. Continuou forçando-o, tomado pelo desespero, cravando os dedos na brecha lateral e sacudiu-o. Chorava, ignorando a dor. Algo o induziu a olhar pra trás. O jardim encontrava-se em uma dança macabra, a brisa conduzindo a melodia infernal. Por entre as plantas Diego viu uma figura aproximando-se, aos pulos. Novamente o vislumbre de olhos. Vermelhos. Diego lembrou-se da avó. Tentou assobiar, mas conseguiu apenas um sopro com saliva sendo disparada. Quase sem ar, apoiou o pé em uma rachadura no muro e subiu na caixa de energia elétrica. Ignorou as farpas entrando nas palmas e forçou a subida, ouvindo uma sinistra risadinha infantil perto. Avistou a rua ao alcançar o topo, na penumbra, deserta. Não se importava se era alto demais. Pularia. Assim que passou o braço sobre o muro, foi detido. Com os olhos arregalados, puxou o pé, mas esse não vinha. Assoprou três vezes, chorando.

A lâmpada do poste apagou.

O carro derrapou pelo meio-fio. Antes que estivesse devidamente estacionado, a porta do carona foi escancarada, e a mãe de Diego saltou. O tumulto ao redor da casa a angustiava mais. Vizinhos e viaturas. Do banco de trás a avó saiu, observando a vizinha que ligara avisando, também chorando. Observou-as adentrando a casa. Os ossos da idosa tremeram quando ouviu o grito. Não esperou o genro desligar o carro e correu.

Demorou a perceber o que acontecera. Não havia iluminação decente, a caixa de energia explodira. Uma lanterna iluminou a marca negra cobrindo parte do muro chamuscado. Sob o que restara da caixa a filha chorava copiosamente. Entendeu o motivo quando ela desmaiou e alguns policiais se aproximaram. Três passos e viu o que restara de seu amado neto. A perna direita, até a altura da coxa, com o pé preso em um arame solto da caixa. Estava intacta.

Os olhos miúdos umedeceram enquanto ela ouvia uma risadinha sinistra no fundo de suas memórias.

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